E pronto, cá estamos nós nem no terceiro, mas mais para o oitavo mundo. Num lugar em que virtualmente ninguém fala inglês, nem mesmo a tia que faz as vezes de recepcionista do hotel. A sensação comunicacional e estética é de ser um esloveno que acaba de chegar no Brás e, ao mesmo tempo que se surpreende um pouco com a enormidade de tudo aquilo, precisa se comunicar para descobrir onde, como e quando comer, dormir e se divetir, percebendo que não terá a menor chance de sucesso.
Passamos o dia como clones de Blache Dubois com mais melanina, sempre contando com a generosidade de estranhos para não nos fodermos completamente. Já na estação de trem, a senhora atrás do vidro balançava a cabeça com enfado, falava em seu incognoscível ucraniano, e dava a entender que havia algum problema com o que seria um ticket eletrônico que deveria ser trocado por bilhetes convencionais. Momento de cus piscando ensandecidamente, violentamente, já achando que havíamos tomado um golpe e comprado de uma falsa agência de viagens assentos inexistentes, e agora não teríamos como sair de Kiev. Mas um rapaz atrás de nós na fila deu uma força pra entender o que ela queria dizer, e para encontrar o guichê correto. Depois, o hotel simplesmente não era encontrável, escondido sem qualquer indicação no décimo-segundo andar de um predinho em uma área dos fundos de uma viela escura que estava. Mas, mais uma vez, depois de várias tentativas infrutíferas de conseguir algum tipo de informação, novamente um par de rapazes muito gente boa na rua parou tudo o que estava fazendo para telefonar para o lugar (!), conversar com a tia, pedir as informações e nos levar até a porta. Sim, a mesma tia que não fala inglês, e nos mostrou tudo na base da mímica.
A despeito destes singelos atos de gentileza, a postura geral dos ucranianos é de mal-humor, desdém, absoluta falta de esforço para se comunicar minimamente. Como se fosse uma sociedade de funcionários públicos cronificados, ressentidos com a vidinha pequena e insuficiente que levam, e ainda mais com estes turistas folgados, que vêm fazê-los trabalhar e se lembrar da insignificância de suas vidas cinzas.
No Teatro Nacional, assentos esgotados par assistir a Spartacus, ballet de Katchaturian. E eis que então surge uma senhora suspeita atrás de nós, dizendo num inglês mínimo que tinha dois assentos vagos, inicialmente sem custo, mas pelos quais logo em seguida tentou disfarçar alguma casualidade ao pedir uns 11 euros. O que ainda assim não seria caro. Leva-nos em seguida para dentro do teatro, para nos mostrar os lugares, conversando algo incompreensível com os seguranças mal-encarados, e depois esclarece que improvisaria duas cadeiras de madeira sobre a área de corredor entre as fileiras mesmo. Malandragem pura, provavelmente alguma funcionária tentando faturar um dinheirinho extra com o golpe da cadeira. Provavelmente até conseguiríamos ver o espetáculo, mas a informalidade total, aliada à pervasiva incomunicabilidade, nos acovardou, e nada de ballet então. A Ucrânia é o terceiro país mais corrupto do mundo, parece que o Brasil nem é um dos dois primeiros.
Mas, no lugar, fomos a um bandejão de comida típica do lugar, escolhendo os pratos na base do apontar com o dedo e seja o que deus quiser. Não me desapontou, vou encher o saco da patroa para voltarmos.
E amanhã, o grande dia, tem Chernobyl!
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