Bom, hoje foi o dia da vingança. Tá, teve mesquitinha, parquinho, briguinha, barquinho, e todo o resto do dia-a-dia turístico em seus derradeiros momentos, já sob o peso da volta ao massacre do cotidiano regulamentar. E então, à noite, ao voltar ao hotel, passamos por uma das conspícuas docerias para comprar as quantidades indecorosas de açúcar que nos arrependeríamos de ingerir depois. Para uma compra de umas 21,43 liras, tento facilitar a vida do cara, entregando a ele 50,45 liras. Como aparentemente é tão comum em qualquer outro lugar que não o Brasil, o sujeito coça a cabeça, começa a ter palpitações, põe o dedo na boca, tem uma convulsão com liberação esfincteriana e me devolve de troco, além das moedinhas de 45 centavos, a esdrúxula e incompreensível soma de 110 liras. Foi o dia de lavagem da alma, em que me vinguei de toda a esperteza turca, dos preços que nunca são bem aqueles, dos acréscimos súbitos na conta, da abordagem predatória ao cliente que passa na frente da lojinha. Ao longo do dia, uma vendedora de flores já havia jogado uma rosa no colo da patroa, na tentativa de tornar a aquisição irreversível. A rosa foi ao chão, e nossa sede por retribuição já esquentou um tanto. Pouco depois, um engraxate que havia derrubado uma de suas escovas enquanto andava em nossa frente, que peguei do chão e lhe devolvi, me cobrira de agradecimentos, insistido para eu botar o pé naquela caixinha e molhado meu TÊNIS com uma aguinha imunda, esfregado com aquela escova coberta de GRAXA e depois me pedido uma graninha pelo serviço!
Mas então me perguntará você, caro não-leitor, que culpa tem o pobre balconista da doceria por tudo isto? Terá ele feito algo de errado além de demonstrar certo analfabetismo aritmético? Os atos de espertezinha não são eventos isolados, intransferíveis e não-generalizáveis para um determinado país ou cultura? E atitudes como a minha não só colocam todos nós no mesmo saco, nos nivelam moralmente por baixo, subtraem de mim a autoridade moral para criticar o comportamento alheio e confirmam como o homem é o lobo do homem e que a moeda vigente nas relações humanas é somente o egoísmo que favorece a sobrevivência e a propagação dos genes?
Bom, talvez eu possa recorrer ao misticismo, ou pudesse, se tivesse mais talento e menos neurônios para o levar a sério. De repente, existe um karma cósmico, e está tudo conectado. Todos os turcos espertinhos ao longo dos últimos dias acumularam um pouco mais dele, eu tive a chance de debitar parte do meu e não o fiz. Pelo contrário, aumentei meu passivo cármico, e agora vou reencarnar como uma barata cascuda em minha próxima vida. E o carinha da doceria talvez tenha conquistado o direito de encarnar como um futuro filho de Ana Paula Arósio. Significaria passar uma única vez pela xoxota dela, e ainda no sentido errado, mas não é de todo ruim....



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